Ruan Macário está em casa. Kelton Marques está no cemitério; o recado amargo da Justiça

Caso expõe um sistema que falta com o essencial: a confiança pública
COMPARTILHE:
Família de Kelton Marques, motoboy morto em acidente causado por motorista que dirigia a 163 km/h no momento da batida — Foto: Kamila Marques/Arquivo pessoal

A morte do entregador Kelton Marques, atropelado por um carro em alta velocidade no Retão de Manaíra em 2021, não representa apenas uma tragédia familiar — ela é o símbolo da descrença coletiva na Justiça brasileira. O autor do crime, Ruan Macário, não prestou socorro, passou 10 meses foragido, foi condenado, viu a pena ser reduzida e, agora, está em liberdade.

A sucessão de fatos cria um enredo que desafia o senso comum de justiça. A reclassificação do crime de homicídio qualificado para homicídio simples, determinada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba em abril de 2025, retirou do caso o peso de crime hediondo. Com isso, a pena de 13 anos e 4 meses caiu para 8 anos e 4 meses, e o tempo mínimo para progressão reduziu-se de 40% para 25% da pena total.

Em consequência, a juíza Juliana Accioly Uchôa considerou que Ruan Macário já havia cumprido mais de 50% da nova pena, contando o período recluso desde julho de 2022, os dias remidos por estudo e trabalho e o bom comportamento carcerário. Resultado: Ruan está solto.

A pergunta que ecoa é simples: quem foi punido de verdade? O motorista que tirou a vida de um pai de família segue em liberdade. Já a família de Kelton, incluindo duas filhas pequenas e uma esposa viúva, enfrenta uma sentença perpétua de ausência e dor.

Essa decisão jurídica, embora supostamente amparada na legislação, joga luz sobre uma das maiores fragilidades do sistema: a desconexão entre a letra da lei e o sentimento de justiça da sociedade. A reclassificação do crime, a flexibilização da progressão da pena e o benefício por “bom comportamento” criam um paradoxo doloroso para quem perdeu alguém de forma brutal e repentina.

A justiça e Ruan Macário sambaram na cara da sociedade? Seja como for, o recado que fica é amargo: é possível atropelar, matar, fugir, se esconder, ser condenado — e mesmo assim, voltar para casa em pouco tempo.

O caso expõe um sistema que, embora repleto de garantias e ritos, falta com o essencial: a confiança pública. E sem essa confiança, o que sobra é o descrédito, a revolta e o sentimento de impunidade que fere mais do que qualquer sentença.

COMPARTILHE:
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anterior
Habemus Papam: americano Robert Francis Prevost é eleito Papa Leão XIV

Habemus Papam: americano Robert Francis Prevost é eleito Papa Leão XIV

Cadeira papal estava vaga desde a morte de Francisco, em 21 de abril deste ano

Próximo
Novo Papa, Leão XIV, tem histórico de críticas às políticas de Donald Trump

Novo Papa, Leão XIV, tem histórico de críticas às políticas de Donald Trump

Apesar de elogiado, novo Papa já contestou ações do governo Trump

Você também pode gostar