(Josias de Souza) A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de manter Anderson Torres na prisão não inquietou apenas o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. O despacho deixou alvoroçados também o ex-chefe do preso e alguns dos seus operadores políticos. Em privado, Bolsonaro disse a aliados estar convencido de que Moraes, seu antigo desafeto, prolonga o “suplício” de Torres para forçar o ex-auxiliar a incriminá-lo nos inquéritos sobre o 8 de janeiro.
Formulado pela defesa de Anderson Torres, o pedido de liberdade foi endossado por um parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. Em seu despacho, divulgado na quinta-feira, Alexandre de Moraes justificou o indeferimento com argumentos ácidos. Mencionou, por exemplo, os “fortes indícios” da ligação de Anderson Torres com a “minuta do golpe”, o documento apreendido pela Polícia Federal num armário da casa do investigado.
Moraes citou a operação realizada pela Polícia Rodoviária Federal para tentar bloquear o acesso de eleitores às urnas no segundo turno das eleições presidenciais. Classificou a ação executada durante a gestão de Anderson Torres na pasta da Justiça como uma “operação golpista” urdida “para tentar subverter a legítima participação popular”.
Referindo-se à fase em que Anderson Torres chefiava a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, Moraes também realçou o que chamou de “conduta omissiva” do investigado em relação ao acampamento de bolsonaristas na frente do Quartel-General do Exército. Para o magistrado, a omissão de Torres potencializou o ‘”risco” que “culminou nos fatídicos atos do dia 8 de janeiro”.
Nesse trecho, Moraes citou o “possível envolvimento” de Anderson Torres “na autorização para mais de cem ônibus dirigirem-se ao Setor Militar Urbano [de Brasília] e prepararem-se para a prática dos atos criminosos”.
Por ordem de Moraes, a Polícia Federal intimou Anderson Torres para prestar novo depoimento nesta segunda-feira. Será a terceira inquirição do preso. Ocorrerá 72 horas antes do interrogatório do próprio Bolsonaro, marcado para a próxima quarta-feira.
Em avaliação compartilhada com seus aliados, Bolsonaro insinuou que a proximidade não é casual. Acha que o encadeamento de datas visa “arrancar” de Anderson Torres informações que, eventualmente, poderiam ser usadas pela Polícia Federal como munição para o seu interrogatório.
Para Bolsonaro, Moraes estaria mimetizando no caso de Anderson Torres um comportamento análogo ao que foi imputado pelo próprio Supremo à antiga força-tarefa da Lava Jato. Nessa versão, Moraes prolongaria a prisão de Torres com o objetivo de obter dele um comportamento colaborativo.
Alexandre de Moraes, como que antevendo o veneno bolsonarista, providenciou uma vacina. Anotou na ordem expedida à Polícia Federal que o ex-ministro de Bolsonaro será ouvido dessa vez na condição de “declarante”, não de investigado.
O ministro anotou que “a obrigação de comparecimento e a exigência de prestar seu depoimento como declarante não significa possibilidade de coação direta ou indireta para obtenção de uma confissão ou assunção de responsabilidade, quebrando-se a necessária ‘participação voluntária’ na produção probatória”. Acrescentou que o interrogado tem o “direito ao silêncio e a garantia de não autoincriminação, se instado a responder a perguntas cujas respostas possam resultar em seu prejuízo”.
Ecoando Bolsonaro, um integrante da Executiva nacional do PL, o partido do capitão, disse ter estranhado que a “sintonia” entre os movimentos de Alexandre de Moraes e do ministro da Justiça, Flávio Dino. Referi-se à entrevista na qual Dino esmiuçou, na quinta-feira, dados sobre os bloqueios promovidos Polícia Rodoviária Federal no segundo turno de 2022.
Num momento em que Moraes indeferiu o pedido de liberdade de Anderson Torres e ordenou um novo interrogatório, Flávio Dino achegou-se aos refletores para declarar: “Tivemos vários dados que convergem em relação àquilo que muitos noticiaram, falaram e temos comprovação empírica agora pela PRF, no sentido de que houve um desvio de padrão em relação à atuação rotineira, ordinária, à atuação normal da PRF.
De acordo com o levantamento divulgado por Dino, a região Nordeste concentrou praticamente a metade (46,5%) de todos os ônibus fiscalizados pela Polícia Rodoviária Federal no segundo turno da disputa presidencial. No dia 30 de outubro do ano passado, 324 ônibus foram “fiscalizados” pela PRF na região Nordeste. Bem mais do que no Centro-Oeste foram (152), no Sudeste (79), no Norte (76) e no Sul (65).
Sob Bolsonaro, o governo havia reservado R$ 3,6 milhões para financiar as operações da PRF nos dois turnos da eleição. Graças à intensificação das fiscalizações no segundo turno, fase em que o número de candidatos é menor e o fluxo de eleitores inferior, gastou-se muito mais: R$ 7 milhões.
A Polícia Federal descobriu que, por ordem de Anderson Torres, a pasta da Justiça mapeou, entre o primeiro e o segundo turno, as localidades onde Lula recebeu mais votos na primeira rodada da disputa. Coube à então diretora de inteligência do ministério, Marília Alencar, coordenar o levantamento que norteou os bloqueios feitos pela PRF no segundo turno.
Foi graças a esse conjunto de dados que Alexandre de Moraes avançou na análise do mérito da atuação da PRF, classificando o trabalho da PRF como “operação golpista”, planejada “para tentar subverter a legítima participação popular”. Dissemina-se no Supremo a percepção de que Anderson Torres apenas seguiu ordens de Bolsonaro. Daí o receio do capitão de que a Polícia Federal use o seu ex-ministro da Justiça como degrau para chegar ao seu pescoço.