Bolsonaro lança míssil no pé ao ligar voto nordestino ao analfabetismo

Por Maurílio Júnior

(Josias de Souza) Normalmente, Bolsonaro fala dez vezes antes de pensar. Na live da noite desta quarta-feira, houve um instante em que o presidente parecia raciocinar. Mas ele estava apenas rearrumando os seus preconceitos. Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo, disse o presidente, manuseando uma notícia. Na sequência, insinuar que a preferência dos nordestinos pelo seu rival é uma decorrência lógica da falta de educação formal.

“Você sabe quais são esses estados?”, indagou Bolsonaro à sua audiência de devotos. “No nosso Nordeste”, ele respondeu. O comentário do capitão chega num instante em que as redes sociais bolsonaristas estão inundadas de mensagens preconceituosas contra o eleitorado nordestino. Na região Nordeste, Lula prevaleceu sobre Bolsonaro com larga margem de votos: 67% contra 26,8%

Bolsonaro encosta a opção de voto em Lula no analfabetismo no mesmo instante em que tenta seduzir os eleitores do rival com mimos sociais. Mandou antecipar para antes da eleição o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600. Ordenou à Caixa Econômica que ofereça crédito consignado à clientela do programa a partir da semana que vem. Prometeu um 13º benefício para 2023 às famílias chefiadas por mulheres.

Estão localizados no Nordeste e no Norte os 1.000 municípios que mais dependem do Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família. O jornal Valor Econômico verificou o resultado da votação de domingo passado nessas cidades. Cavalgando o benefício eleitoreiro de R$ 600, Bolsonaro venceu em 31 localidades. Lula prevaleceu nas outras 969.

Mesmo cidades onde Bolsonaro levou a melhor, o Auxílio Brasil turbinado não foi a principal causa, pois o presidente já havia vencido em 25 dos 31 municípios nas eleições de 2018. Os dados revelam duas coisas:

1) O eleitorado nordestino pode ser pobre e analfabeto. Mas não é o idiota que Bolsonaro e seus operadores políticos supõem. Percebeu bem cedo que já era muito tarde para que o capitão se convertesse à causa social;

2) Um presidente que não consegue convencer o eleitor mais humilde de suas boas intenções mesmo enfiando dinheiro no bolso dele às vésperas da eleição é um analfabeto político com péssima pontaria. Ao chamar de analfabeto o eleitor que enxerga sua esperteza, Bolsonaro disparou um míssil contra o próprio pé.