Poucos dias após uma criança de 11 anos estuprada ter seu direito ao aborto negado por um hospital e uma juíza em Santa Catarina, sob o argumento de que o bebê poderia ser entregue à adoção, uma atriz de 21 anos é cobrada em esfera pública a se manifestar sobre uma maternidade indesejada que resultou em um processo legal de adoção.
Relaciono uma situação à outra porque, juntas, parecem apenas indicar que é obrigação da mulher criar e amar qualquer ser gerado a partir de uma ação que ela não praticou sozinha e que, nesses dois casos, aconteceu à revelia de quem agora é julgado pelo tribunal do mal das redes sociais –quando não por juízes de fato.
Klara Castanho justificou em carta aberta que foi vítima de um estupro e só soube da gravidez pouco antes do parto. E ainda não o seu caso não fosse esse, é constrangedor saber que em pleno século 21 uma mulher tenha de prestar contas sobre uma gravidez indesejada, seja pelo motivo que for.
Enquanto isso, milhões de pais abandonam as crias que plantaram nos úteros das mães, antes mesmo do parto ou ainda pequenas, sem que colunistas, ex-atriz/influenciadora, enfermeiras e afins se animem em noticiar seus nomes.
Faz tempo que se fala, e não à toa, que o aborto já teria sido legalizado caso o corpo fosse o do homem, a quem de tudo se absolve nesse contexto.
Fruto de um ato de violência, um bebê foi legalmente doado para adoção, tendo sua vida poupada, como defendem os opositores ao direito ao aborto, e seu futuro preservado do trauma deixado na vítima desse estupro. Não estamos diante de um crime ou de qualquer ato ilícito ou imoral.
Klara vem recebendo apoio de toda a classe artística, de cidadãos comuns e de figuras públicas como Felipe Neto, youtuber que já colocou advogados à disposição dela para as devidas providências legais contra quem a ameaçou.
De toda forma, faz-se urgente frear o impulso pelo clique que abastece a audiência de inquisidores digitais. O fato de Klara ter ascendido à fama ainda pequena e de termos visto ela crescer diante dos holofotes só aumenta o apetite da esgotosfera sobre sua tragédia pessoal.
Cristina Padiglione (Folha de S. Paulo)