A morte em Bolsonaro. Por Thiago Amparo

Jair Bolsonaro posta foto na cama do Hospital das Forças Armadas, em Brasília — Foto: Reprodução

Ao abrir o jornal vejo a imagem escatológica postada pelo presidente. Vê-se um Jair sem camisa, fragilizado, deitado, com os dizeres: “Estaremos de volta em breve, se Deus quiser. O Brasil é nosso!”.

Tanto na época do deplorável atentado em 2018 quanto nesta intervenção médica a que se submete o presidente nesta quarta (14), o capitão-presidente se expõe com a fragilidade da carcaça à qual estamos todos presos.

A política é feita de símbolos, e, no caso de Jair Messias Bolsonaro, o símbolo é a morte.

O que faz a morte? Torna-o soberano e mito. O riso espalhafatoso ao simular morrer sem ar, imitando pacientes graves de Covid-19. A defesa do fuzilamento de 30 mil pessoas.

O tratamento hospitalar do presidente, o sétimo desde 2018, é necessário. Não é imprescindível, no entanto, expor-se em frangalhos, desnudo, em imagem jogada às multidões. Isso é uma escolha política.

Ao se colocar como um líder a navegar contra os infortúnios da mortalidade que nos une, ao lado de uma figura religiosa ao pé da maca, o presidente mitifica-se ou assim quer ser visto. E, ao mitificar-se, reforça sua pulsão da morte como arma política.

Toda a resposta presidencial à pandemia que vitimou meio milhão de brasileiros foi um longo beijo necrófilo. Bolsonaro precisa da morte porque é essa a sua forma de governo. “Eu não sou coveiro, tá certo?”. “Mortes vão haver”. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. “A gente lamenta todas as mortes, está chegando ao número 100 mil, mas vamos tocar a vida.” “Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer.”

Os humanos e outros primatas são os poucos seres vivos que ritualizam a morte, porque é da capacidade do luto que é feita nossa humanidade. Contra a necrópolis em que Bolsonaro nos meteu a todos devemos lutar com a pulsão de vida. Desejo ao presidente que se recupere rápida e plenamente para que possa, enfim, ser responsabilizado pelo governo da morte que preside.

Thiago Amparo – Folha de S. Paulo
Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

COMPARTILHE:
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anterior
João Pessoa é a segunda capital com a menor ocupação de UTI no Brasil

João Pessoa é a segunda capital com a menor ocupação de UTI no Brasil

João Pessoa é a segunda capital do país com a menor taxa de ocupação de leitos

Próximo
Paraibano assessor de Bolsonaro joga milícia contra jornalista por ato falho de ‘enterrar’ presidente

Paraibano assessor de Bolsonaro joga milícia contra jornalista por ato falho de ‘enterrar’ presidente

Líder do chamado “gabinete do ódio” de Jair Bolsonaro, o paraibano

Você também pode gostar