MP envia à Corregedoria Nacional de Justiça sentença de juiz paraibano por possível racismo religioso

Decisão que isenta motorista da Uber é apontada por promotora como desrespeito ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial
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Mãe de santo Lúcia Omidewá após prestar queixa por racismo religioso em abril de 2024 — Foto: Arquivo pessoal

A promotora de Justiça Fabiana Lobo, do Ministério Público da Paraíba, encaminhou à Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) uma denúncia contra o juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa.

A medida foi motivada pela sentença em que o magistrado nega indenização à mãe de santo Lúcia de Oxum, vítima de recusa de corrida por parte de um motorista de aplicativo após este saber que o destino era um terreiro religioso.

O caso ocorreu após o motorista, ao ser informado do ponto de encontro, responder: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro”. O aplicativo Uber informou ter desativado o condutor da plataforma. Ainda assim, a ação de indenização proposta pela religiosa foi indeferida, com o juiz alegando que a manifestação religiosa do motorista foi legítima e que a autora, ao se sentir ofendida, teria demonstrado intolerância religiosa.

Em sua decisão, o magistrado escreveu:

“A autora […] ao afirmar considerar ofensiva a ela a frase ‘Sangue de Cristo tem poder’, denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria. E, não, do motorista.”

A promotora entendeu que a sentença inverte a lógica do caso, ignorando o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, aprovado pelo CNJ em 2024, que orienta magistrados sobre a análise de casos com elementos de preconceito racial e religioso.

“Em tese, a sentença é racista porque inverte a lógica: foi a mãe de santo que sofreu intolerância expressa, e na decisão, o juiz diz que ela é que foi intolerante”, afirmou a promotora, que destacou a ausência de referência ao protocolo do CNJ na decisão.

A denúncia foi originalmente apresentada pelo Instituto Omidewa, que classificou a sentença como uma “inversão de culpa” e defendeu que o magistrado utilizou o aparato do Estado para reforçar estruturas de exclusão.

Além da representação disciplinar contra o juiz, a promotora Fabiana Lobo já havia ajuizado uma ação civil pública por dano moral coletivo de R$ 3 milhões contra a Uber, que tramita na 7ª Vara Cível de João Pessoa.

A autora da ação, Mãe Lúcia de Oxum, afirmou, em nota, que a sentença a deixou “profundamente abalada” e que prefere não dar entrevistas no momento. O advogado da religiosa, João Arthur do Vale Pacheco, recorreu da decisão e anexou parecer da socióloga Hermana Cecília Ferreira, professora da UEPB, que aponta que a decisão desconsidera o histórico de exclusão enfrentado pelas religiões de matriz africana.

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