(Editorial / Estadão) A saga do ministro Flávio Dino a respeito das emendas parlamentares começa a produzir resultados auspiciosos para o País. Segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo, nenhum centavo sequer dos R$ 7,3 bilhões em emendas Pix previstos no Orçamento deste ano havia sido pago ou empenhado pelo governo, ao menos até a semana passada. Para ter uma ideia, em 2024 57% das emendas Pix haviam sido pagas até 31 de julho. No ano anterior, no mesmo período, foram 22%.
Trata-se de consequência das novas exigências que o ministro impôs para a execução dos recursos, como a apresentação prévia de planos de trabalho que detalhem de que forma a verba será usada e a abertura de contas específicas para o depósito do dinheiro por Estados e municípios. Deve-se dizer que são condições bastante razoáveis para o uso de recursos públicos, mas que aparentemente têm gerado revolta no Congresso.
Deputados e senadores se acostumaram, nos últimos anos, a mandar dinheiro para suas bases sem ter de prestar contas sobre ele, e parecem muito contrariados com o fato de que voltaram a ter de cumprir a Constituição e a legislação para fazê-lo.
O que os parlamentares não reconhecem, no entanto, é que não se trata exatamente de má vontade do governo. Aparentemente, os planos de trabalho enviados pelos municípios e Estados não têm atendido aos critérios mínimos necessários para a liberação dos recursos. Em razão disso, servidores de carreira, ao analisarem os documentos, se recusam a avalizar os repasses por receio de mais tarde serem responsabilizados individualmente na pessoa física. Dos 44 mil planos de trabalho apresentados por prefeituras este ano, apenas 5,6 mil teriam sido aprovados.
É um quadro muito diferente do que o País viu nos últimos anos. Funcionando como uma espécie de fundo eleitoral paralelo, emendas Pix pagaram de despesas correntes a festas populares organizadas por municípios, e facilitaram a reeleição dos candidatos a prefeito mais beneficiados por essas transferências.
O fim desta farra, por sinal, estaria por trás das derrotas que o governo amargou no Legislativo nas últimas semanas. Boa parte dos parlamentares vê nas ações de Dino o apoio velado do Executivo para recuperar o controle do Orçamento e cumprir o arcabouço fiscal. A perda da presidência e da relatoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS e a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de um projeto que retoma o voto impresso não teriam acontecido, não fossem a desarticulação e a omissão de parte da base aliada.
Além da cobrança sobre as novas emendas, Dino tampouco aliviou as exigências sobre as emendas mais antigas. No domingo passado, o ministro deu um prazo de dez dias úteis para o Tribunal de Contas da União (TCU) identificar quais emendas pagas entre 2020 e 2024 a Estados e municípios não tiveram planos de trabalho protocolados, em desrespeito a uma decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF). Somadas, elas chegam a R$ 694,7 milhões, e os valores e informações deverão ser segregados por Estado para envio às respectivas superintendências regionais da Polícia Federal, a quem caberá instaurar inquérito para investigação.
A investida de Dino sobre as emendas preocupa tanto o Congresso que parte dos parlamentares se articula a fim de votar propostas para acabar com o foro privilegiado, limitar a possibilidade de prisão em flagrante de parlamentares a casos de crime inafiançável e retomar a necessidade de aval prévio do Congresso para que parlamentares sejam processados criminalmente, derrubada em 2001. Como mostrou o jornal Valor, enquanto essa regra vigorou, entre 1988 e 2001, nenhuma das 216 solicitações do STF foi atendida, e os pedidos foram todos arquivados.
A desculpa para essas propostas é a defesa de prerrogativas, mas bem se sabe que o que os parlamentares buscam é apenas o bônus da função: querem continuar a gastar dinheiro público sem a devida transparência, sem terem de assumir a responsabilidade pelo eventual mau uso desses recursos e com a garantia de não serem penalizados em caso de desvios.