opinião

Rebeca recupera o orgulho de uma nação por suas cores

Jamil Chade ⸗ Colunista do UOL, em Genebra

Rebeca Andrade segura a bandeira do Brasil após conquistar o ouro do solo nas Olimpíadas (Foto: Hannah McKay/REUTERS)
mauriliojunior.com

Dirigindo há instantes, ouço na rádio francesa que a brasileira Rebeca Andrade conseguiu o que parecia ser impossível: superar a americana Simone Biles. A reportagem mostrava como o local da prova, em Paris, “mais parecia um estádio de futebol” repleto de torcedores brasileiros. O que talvez não saibam é que, por bairros no Brasil, a comemoração foi digna de uma Copa do Mundo.

No jornal The Guardian, a manchete é reveladora: “Andrade vence Biles e conquista o ouro”. “Rebeca em ouro”, diz o prestigioso Le Monde.

O pódio ainda viu Biles se ajoelhando em reverência à brasileira.

Nas dezenas de matérias pela imprensa internacional, é também o mundo que redescobre que também somos força, genialidade e perseverança.

Desde 2021, o noticiário internacional passou a dar destaque às suas conquistas. No britânico The Guardian, ela foi apresentada como uma pessoa cujo talento é equiparado ao mesmo nível de “resiliência e tenacidade” diante de tantos obstáculos.

Mas especialmente reveladora foi a reportagem da NPR, nos EUA. “Ela é negra. Ela vem de um bairro pobre da classe trabalhadora de São Paulo. Ela é filha de uma mãe solteira que tem oito filhos e costumava limpar casas e andava para o trabalho para economizar dinheiro para o treinamento de Rebeca”, diz.

“Ela se tornou um símbolo do que pode ser alcançado contra as probabilidades”, insiste o comentarista, citando tuas lesões.

Segundo ele, estamos “famintos por heróis”. E Rebeca certamente está satisfazendo essa necessidade”, disse. “As pessoas acabam de se apaixonar por ela”, completou.

Ele tinha razão e, três anos depois, você está no Olimpo. Em todos eles.

O mesmo comentarista estrangeiro ainda destacava como teu sucesso “é muito mais do que o esporte”. “Está sendo abraçado aqui como uma inspiração para as mulheres, para as mulheres negras em particular”, disse, lembrando a existência de um “profundo racismo institucional”.

Assim como ele, outros tantos – CNN, Le Figaro, New York Times, etc – estamparam você em seus sites. Nenhuma campanha de conscientização, nenhum poster da Embratur, nenhum roadshow para atrair investidores jamais será capaz de ter a genuinidade de tua conquista.

Confesso que foi uma espécie de oxigênio. A esperança que, como a primavera de Neruda, vence qualquer destruição das flores.

A opção dos caminhos que tomaremos depende de nossas esperanças e Rebeca ajuda a milhões de pessoas a redefinir esse sentimento em qualquer comunidade. Ao superar tantos obstáculos, ela traduz na prática a tese de que não existem fronteiras para a esperança. Apenas para a escuridão.

O ouro em Paris é suficiente? Obviamente que não. Mas ele é um recado sobre a existência de um país com uma força impossível de ser medida em pontos numa competição.

Ao subir ao pódio, ela leva consigo as cores do Brasil. Não apenas aquelas da bandeira. Mas as cores de tua pele, da pele dos demais, do suor, de teu sorriso e da esperança.

Jamil Chade ⸗ Colunista do UOL