O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB) enviaram ofício à Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa (SMS) cobrando medidas concretas para cumprimento da Recomendação nº 01/2024, expedida no último dia 2, especialmente quanto ao atendimento dos pacientes com leucemia em situação de urgência.
Embora a SMS tenha sinalizado intenção de acolher a recomendação, limitou-se a informar a criação de grupo condutor e de uma comissão, além da contratação de dois médicos fiscais, sem nenhuma medida concreta ainda para assumir o atendimento dos pacientes que permanecem desassistidos pela falta de fluxo adequado de regulação. Comprometeu-se apenas a produzir plano de fiscalização em sete dias.
A SMS informou ainda que, após notificado, o Hospital Napoleão Laureano (HNL) – entidade que deveria atender cerca de 70% da demanda de pacientes do estado – não adotou todas as providências que lhe cabiam. Foi informada a instauração de procedimento de apuração administrativa pelo descumprimento de contrato.
O MPF e o MPPB alertaram que a simples instauração de processo de responsabilização não serve ao objetivo de garantir o direito desses pacientes em grave risco de danos irreparáveis à saúde e morte.
Na recomendação, os Ministérios Públicos apontaram o descumprimento da decisão da Justiça Federal proferida no processo nº 0812231-24.2019.4.05.8200, determinando ao Município socorrer pacientes não atendidos pelo HNL, com posterior custeio pela União. Frisou-se também que pode haver ainda novas medidas judiciais e extrajudiciais em amparo a esses pacientes.
União e Estado da Paraíba – O Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) informou o acolhimento da recomendação, informando que promoverá o monitoramento da crise detectada na rede de oncologia na Paraíba.
O MPF e o MPPB deferiram prazo suplementar para manifestação da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde e reiteraram pedido de manifestação da Secretaria de Estado da Saúde (SES) sobre a recomendação, no que se refere à sua função de coordenação e articulação da rede estadual de oncologia.
Solicitaram ainda a averiguação e o acompanhamento do Conselho Regional de Medicina (CRM) em relação à situação dos pacientes em espera, especialmente os casos urgentes.
Demanda reprimida – Ao longo das investigações, os MPs apuraram que a SMS não estava cumprindo orientações do Denasus para que assumisse integralmente a regulação dos atendimentos em oncologia na rede local. Permanecia com o HNL a prerrogativa de agendar consultas com oncologistas para início de tratamento. Eram então disponibilizadas consultas para número limitado de pacientes no início de cada mês, dispensando-se os demais, sem nenhum controle. A SMS por sua vez, não dispunha de informações sobre a quantidade de pacientes aguardando atendimento e sobre o real atraso no início de seus tratamentos.
Após a Controladoria-Geral da União (CGU) apontar obstrução por parte da SMS ao trabalho de fiscalização, o MPF e o MPPB realizaram inspeção in loco no Hospital Napoleão Laureano em 1º de fevereiro e verificaram dezenas de pacientes e familiares amontoados, implorando por senhas de consulta, sendo mais da metade dispensada – muitos vindos do interior – para voltar no próximo mês. Em rápida amostragem, foram apurados cerca de 30 pacientes. Em levantamento efetivado junto aos municípios do estado, identificaram-se 139 pacientes aguardando agendamento de consulta para viabilizar início do tratamento, sendo que a demora para tal início chega a 180 dias.
Havia ainda cerca de dez pacientes de leucemia mielóide aguda impedidos de agendar consulta por suposta limitação de vagas de internação, sem comunicação à SMS. Esses casos são considerados de urgência médica e devem ser atendidos imediatamente. Até o momento, o HNL informou à SMS o início de tratamento quimioterápico de apenas um desses pacientes urgentes, estando os demais a aguardar consultas.
O MPF e o MPPB verificaram que os cerca de 85 pacientes que conseguiram agendar consultas para março e abril, conforme informações iniciais, estão tendo seu direito a atendimento no prazo de 60 dias gravemente violado (com esperas de mais de 100, 200 e até 300 dias). Também não havia nenhum controle do tempo efetivo de espera para o início do tratamento, como exige a lei (60 dias).
Os MPs recomendaram providências imediatas da SMS quanto ao agendamento das consultas dos pacientes e o cumprimento do prazo legal de início de tratamento para todos eles, conforme listas encaminhadas, com máxima prioridade aos casos de urgência. Recomendaram ainda promovesse busca ativa de outros, sendo que, com o mesmo objetivo, os Ministérios Públicos estão difundindo formulário pelas mídias sociais.
Versões desencontradas – A direção do HNL alega que atingiu limite contratual de atendimentos acordado e que a responsabilidade pelos pacientes não atendidos é do Município de João Pessoa. Alega também que o valor dos pagamentos feitos com base na tabela do SUS não cobre seus custos e precisa de mais recursos públicos para atender pacientes.
Equipe da SMS, por sua vez, diz que não foi atingido o teto para consultas e por isso o HNL não poderia impedir o acesso dos pacientes ao serviço, sendo que não teve ciência da elevada demanda reprimida identificada para início de tratamento. Alega ainda que, além dos repasses regulares do SUS, autorizou o pagamento extra de mais de R$ 15 milhões em emendas parlamentares federais e municipais somente em 2022 e 2023, mencionando um total de 50 milhões de reais pagos ao HNL. A SMS disse ainda que o hospital se recusou a alterar planos de trabalho para recebimento de mais recursos de emendas parlamentares, insistindo em receber tais recursos sem nenhum compromisso de ampliação proporcional de atendimentos para a população.
A CGU, por sua vez, aponta, dentre diversas irregularidades, que o HNL vem se valendo de cobranças indevidas de cidadãos e Municípios para terem acesso prioritário ao atendimento, dando início a tratamentos sem autorização da SMS e violando assim a isonomia que deve existir no SUS.
O MPF e o MPPB destacam que pacientes em risco de vida não podem ser prejudicados enquanto a SMS não consegue se entender com fundação privada que contratou e sobre a qual deveria manter estrita supervisão, como diz a legislação.