O requerimento apresentado pelo advogado Raoni Vita no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba para realização de plebiscito para consultar a população sobre uma possível mudança no nome da cidade João Pessoa atende a um debate histórico na capital paraibana.
Ele afirma que seu pedido tem enfoque jurídico, diferente das abordagens anteriores, que tinham foco político. “Ingressei com uma ação de mandado de injunção. Requeremos que o TRE edite uma instrução para convocar esse plebiscito para ser realizado no próximo ano”, disse, acrescentando que o plebiscito deve ocorrer no mesmo dia das eleições, em 6 de outubro de 2024.
O debate sobre o nome da capital paraibana é histórico. João Pessoa foi presidente da Paraíba, e em 1930 concorria à vice-presidência na chapa de Getúlio Vargas. Nesse ano, ele foi morto em plena campanha por seu rival João Dantas, no Recife.
Historiadores, como Kynara Santos, do perfil Parahyba Threads, que publicou em 2021 um texto sobre o tema, questionam quais obras grandiosas de João Pessoa e porquê ele merecia tanto ser homenageado pela 3° cidade mais antiga do Brasil?
Abaixo, reproduzo o seu texto na íntegra. Vale a pena a leitura.
Por que João Pessoa não nos representa?
Nossa cidade já teve alguns nomes: Nossa Senhora das Neves, Filipéia de Nossa Senhora das Neves, Frederykstadt (ou “Frederica”, para os íntimos). Quando os holandeses foram expulsos, levaram o nome “Frederica” junto, e a cidade foi batizada de Parahyba, nome que permanecia na boca dos nativos mesmo durante a dominação holandesa. De origem indígena e que remete ao rio que serviu de caminho para a fundação da cidade, tal nome perdurou até 1930, ano em que o ex-presidente do estado morre e a cidade mudou novamente de nome, passando a se chamar João Pessoa.
Entretanto, esse nome não representa a Parahyba. Por quê? Para não me estender tanto, irei resumir: João Pessoa foi presidente do nosso estado, e em 1930 concorria à vice-presidência na chapa de Getúlio Vargas. Nesse ano, ele foi morto em plena campanha por seu rival João Dantas, em Recife. A morte teve uma comoção geral, que culminou na revolução de 1930 e, logo, na mudança do nome da cidade, que passou a homenageá-lo. Se você quiser entender mais, no nosso perfil no twitter (@parahybathreads) você encontrará uma thread que explica detalhadamente esse acontecimento.
Mas o que permanece é a indagação: quais obras grandiosas dele e porquê ele merecia tanto ser homenageado pela 3° cidade mais antiga do Brasil? João Pessoa não era um herói nacional, mas o luto, o sentimento de perda, e a sede de Vargas em vencer, criou uma imagem de que ele era. É uma homenagem vazia, e que apaga nossa história. Os apoiadores criaram no imaginário popular um “João Pessoa” que até hoje não conhecemos, criaram a grandeza do nome, e por isso, perdemos o apego pela história da cidade, história que aparenta ser banhada a sangue e a luto.
Voltemos ao espírito festivo, hoje é dia 05 de agosto de 2021, e comemoramos o aniversário da cidade. Por comemorar eu quero dizer, ficamos em casa no feriado (afinal, pandemia né?), repostamos alguma coisa no instagram sobre os 436 anos, falamos por cima o quanto gostamos da cidade, e é isto. Parece que falta alguma coisa, não acham? Eu sinto que falta. Falta bairrismo, falta saber sobre o dia, sobre a nossa história, nossa cultura, nossos verdadeiros heróis e heroínas. Falta identificação.
João Pessoa é a 3° capital mais antiga do país, e mesmo assim, parece uma cidade projetada, fundada há 25 anos atrás. Junto com a troca de nome, foi retirado a história dos indígenas, dos negros, dos ribeirinhos, isto é, de quem construiu a cidade. Falta raízes.
Antes de escrever, perguntei a alguns familiares, de forma bem informal, se eles sabiam o porquê do nome da cidade ser João Pessoa, perguntei a nove pessoas, todos paraibanos, cinco pessoenses, e apenas três responderam que sabiam, e que era uma homenagem ao governador que morreu. Mas que homem era esse? não sabiam.
A história pouco conhecida pela maioria da população é apenas banhada de sangue e luto de quem não nos representa. A história da Paraíba, da capital, não ganha a atenção que merece nas salas de aula do nosso estado. Vale ressaltar que a história que não é contada, que não é transmitida, é esquecida. E a quem interessa esse esquecimento?
Quando se quer matar uma árvore, você retira a raiz. Por mais que você a derrube e só deixe um toco, ela vai continuar brotando do toco, fragilizada, devagar, mas vai brotando aos poucos. Se você quiser matá-la por completo, terá que cortar os brotos. Ao cortar os brotos, você nega às raízes, a energia que precisam para continuar a crescer. Porém, mesmo fazendo isso, poderá correr o risco de que em alguns anos, surja outro broto e a árvore voltará a vida. Se quiser ter certeza que sua árvore não vai nascer novamente, faça o seguinte: Remova meticulosamente as raízes do solo, sem as raízes a planta não terá como se fincar, não terá como surgir novos brotos, ou seja, ela morrerá.
E é justamente isso que acontece em nossa história: tentam cortar nossas raízes, queimar nossa história, pois com o passar do tempo, sem as raízes, sem a memória coletiva, podem até surgir brotos, mas eles não conhecerão sua verdadeira história, serão ensinados apenas o que convém aos poderosos.
Até mesmo os mais velhos, nascidos e criados na Paraíba, formados pelo coletivo e memória popular, em sua maioria, não têm recordação do porquê o nome da cidade é esse. A memória coletiva dos pessoenses, não lembra do significado do nome da cidade, isso porque é uma história que nos distancia do ser paraibano.
Além disso, o saudosismo e a emoção afloradas em 1930, não se aplicam mais aqui. A história tomou outro rumo, e espelha em nós, paraibanos sem rumos, órfãos de história, de cultura, de identidade, desprezando o que é preto e indígena de nossas raízes. Tornando-nos assim alvos fáceis de manipulação, sem perspectiva, sem consciência de lutar por espaços em nosso território.
Por outro lado, te transmito uma notícia boa: Não cortaram nossas raízes! Tentaram calar alguns brotos que surgiram como o Movimento Paraíba Capital Parahyba (MPCP), mas os brotos se tornaram árvores, que resultaram em outros brotos, e esses brotos somos nós, o movimento é aqui e agora! Vamos juntas, juntos e juntes fazer acontecer!
João Pessoa não conhece a Parahyba, João Pessoa não merece a Parahyba.