Em editorial publicado nesta quinta-feira (20/10), o jornal ‘O Globo’ reconhece: o ex-juiz Sergio Moro agiu com parcialidade nos julgamentos contra o ex-presidente Lula (PT).
O períodico critica a reaproximação do agora senador eleito pelo Paraná com o presidente candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
Após condenar Lula e Bolsonaro vencer as eleições de 2018, o ex-juiz virou ministro de Segurança e Justiça, deixando o governo um ano depois acusando o atual presidente de interferir na Polícia Federal para proteger a sua família de investigações.
O ‘O Globo’ destaca que “ao aparecer ao lado de Bolsonaro na campanha eleitoral, ele deixa evidente sua parcialidade nos julgamentos contra Lula, que levou à anulação dos processos contra o ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Confira, abaixo, o editorial completo:
Ao se reconciliar com Bolsonaro, Moro joga por terra legado anticorrupção
Uma das cenas mais inusitadas do debate entre os candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), no último domingo, ocorreu nos bastidores. Foi a presença do senador eleito Sergio Moro, ex-juiz, ex-ministro de Justiça e Segurança Pública e ex-desafeto de Bolsonaro, municiando o atual presidente com informações contra Lula, especialmente no tema em que ele se mostra mais vulnerável: a corrupção nos governos petistas, fartamente documentada pela Operação Lava-Jato.
Nada de surpreendente haveria se Moro não tivesse pedido demissão do ministério após a fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, acusando Bolsonaro de tentar interferir na autonomia da Polícia Federal (PF) para proteger a família e amigos. À época, Moro disse que Bolsonaro queria nomear o diretor-geral da PF para ter acesso a relatórios de inteligência em meio a investigações em curso.
Depois Moro se tornou crítico acerbo de Bolsonaro. “Assim como Lula, Bolsonaro mente. Nada do que ele fala deve ser levado a sério. Mentiu que era a favor da Lava-Jato. Mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas (…) e agora mente sobre mim. Não é digno da Presidência”, escreveu no início do ano numa rede social. Noutra mensagem, lançou um desafio paralelo: “Vai abrir as contas do gabinete e da rachadinha, Bolsonaro? E você, Lula? Vai abrir as contas das suas palestras e do sítio de Atibaia?”.
Rompimentos e reconciliações estão na natureza da política. O comportamento oportunista de Moro, porém, contribui para manchar o legado da maior operação contra a corrupção já deflagrada no Brasil. Ao aparecer ao lado de Bolsonaro na campanha eleitoral, ele deixa evidente sua parcialidade nos julgamentos contra Lula, que levou à anulação dos processos contra o ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao contrário do que sempre argumentou, acaba por mostrar que seu objetivo, desde os tempos de juiz da Lava-Jato em Curitiba, era atingir Lula, motivado não apenas pelo combate à corrupção, mas também por preferência política e ideológica.
Querer crer que não existiu corrupção nos governos petistas e que as acusações contra Lula resultaram apenas da parcialidade de um juiz, como alega equivocadamente o candidato do PT, é o mesmo que acreditar em Papai Noel. Tanto existiu que bilhões que escoaram pelos dutos da roubalheira desenfreada foram devolvidos aos cofres públicos pelos réus confessos.
Apesar dos erros e excessos, a Lava-Jato teve méritos inequívocos, ao mostrar aos brasileiros que mesmo os mais ricos e poderosos não estavam acima da lei. No país do vale-tudo, onde só os pobres costumam ir para a cadeia, foi um marco. É por isso lamentável que Moro contribua para destruir o legado que ele próprio ajudou a construir no combate à corrupção. Ao se reconciliar com Bolsonaro, fecha os olhos a todos os malfeitos, ilegalidades e arroubos golpistas dele. O combate à corrupção deveria ser feito de material mais resistente.