Por Ruth de Aquino (O Globo)
Toda forma de assédio faz mal à saúde e precisa ser denunciada. Os constrangimentos relatados por funcionárias da Caixa dão nojo maior em mulheres. Porque sentimos, como se fosse em nós, o bafo, o braço, a mão, o pênis. Mas há o assédio moral, que transcende gênero e vitima também os homens. Tem a ver com poder. Era o que acontecia com funcionários da Caixa.
Gravações, obtidas com exclusividade por Rodrigo Rangel, do portal de notícias Metrópoles, revelam os acessos de fúria e os termos de baixo calão do agora ex-presidente Pedro Guimarães, em reuniões de diretoria ou com subordinados. “Porra, eu acho que quem está torcendo pro Lula tem que se fuder. Tem que voltar a Caixa ser estuprada por aqueles ladrões e vocês se fuderem”.
Ameaças a quem vazasse o conteúdo da reunião. “Quem for responsável vai deixar de ser. O (fulaninho) é pau mole. Quero o CPF de todo mundo”. Revoltado com uma decisão do banco não submetida a ele, grita. “Não é aceitável! E de novo: caguei para a opinião de vocês. Porque eu é que mando! Isso aqui não é uma democracia”. “Ah, mas o vice-presidente (aprovou)… Foda-se. Manda todo mundo tomar no cu”.
Pedro Guimarães promovia acareações quando alguém divergia de suas ordens, segundo funcionários. Ameaçava demitir, rebaixar. Isso explicaria a alta rotatividade nas chefias. Uma subordinada disse ao Metrópoles: “A gente tem 37 cargos de dirigentes e mais de 100 pessoas passaram por esses cargos desde que ele (Guimarães) chegou”. Esse deveria ser um sinal amarelo para as empresas. Quando diretores não são demitidos por discordar, não aguentam a pressão, adoecem. Ou são perseguidos e asfixiados. “Você chega no nível máximo e de repente despenca. Vira um técnico bancário”, disse a funcionária ao portal de notícias.
Murros na mesa ou em aparelho de TV com som ruim. Irritação com problemas técnicos numa apresentação dele no YouTube. Ameaças de “mandar todo mundo embora”. Exortação aos chefes para “arregaçar”. Porque gostar do chefe depõe contra, significa que é péssimo gestor. Não basta ser respeitado, precisa inspirar medo.
Engana-se quem acha que esse comportamento é só de maluco ou do Pedro Guimarães. Não é só dele. Alguns chefes se tornam assediadores quando acumulam poder. Humilham entre quatro paredes e em público. Acham todos incompetentes. Costumam ser extremamente inseguros e por isso enxergam conspirações por todo lado.
Chefes, diretores, presidentes como Pedro Guimarães promovem ambiente tóxico. Uma competição pouco saudável. Quem quer se dar bem e ser promovido se alia ao comando, torna-se informante. Quem enfrenta e não suporta ver colegas humilhados vira alvo. Muitos decidem, portanto, silenciar e tornar-se invisíveis.
Quem é assediado sente vergonha. Por isso as vítimas, mulheres e homens, pedem para não ser identificadas. O nome é fictício, com asterisco, o depoimento se faz na sombra, com silhuetas e vozes distorcidas. A vergonha é o primeiro sentimento a combater.
O assédio sexual dá mais audiência, por ser picante. A reação é mais estridente. Normal. Com mulheres, é duplo e dói mais. O assédio moral é mais difícil de provar e, por isso, mais insidioso. Atinge a todos abaixo na hierarquia. É uma relação de poder que pode amputar a vida e a carreira de um profissional, se ele ou ela não tiver uma carreira prévia consolidada. Ou se não tiver voz, equilíbrio, autoestima e autoconfiança.
É preciso mudar a cultura empresarial, não só na teoria. Se não for em nome da ética, que seja em nome da reputação e da saúde da empresa. Se assédio sexual é crime, assédio moral também é. E os homens também são vítimas.