Por Bernardo Mello Franco, O Globo
Há nove dias, o deputado Chico Alencar subiu num caixote de madeira para conversar com eleitores no centro do Rio. De camiseta e sandálias de couro, comentou o noticiário político e distribuiu um folheto sobre o trabalho em Brasília. Foi a última vez que ele cumpriu o ritual de todas as sextas-feiras, dia em que presta contas do mandato em praça pública.
Depois de 16 anos, Chico vai deixar o Congresso. O historiador abriu mão de uma reeleição segura para concorrer ao Senado como azarão. Recebeu 1,2 milhão de votos, mas ficou em quinto lugar. A derrota deu início a uma fase de reflexões. Na quarta-feira, ele fez o discurso de despedida. Ao descer da tribuna, produziu uma cena inusitada: petistas e bolsonaristas se uniram na mesma salva de palmas.
“Senti uma emoção diferente, de missão cumprida e, para minha surpresa, reconhecida”, conta. “Mediar é diferente de fazer média e de conciliar. Talvez venha daí o reconhecimento dos conservadores: sempre tento afirmar posições sem agredir. As ideias devem brigar, não as pessoas”, defende.
Para Chico, o Parlamento deveria ser o lugar de “civilizar o debate e dar racionalidade às contradições”. Ele crê que esses princípios ficarão ainda mais fora de moda na próxima legislatura. “O clima deve se acirrar. A revolta com a política produziu um voto raivoso, que elegeu governantes e parlamentares truculentos. Serão tempos piores”, prevê.
O deputado chegou a Brasília em 2003, eleito pelo PT. Viveu a euforia com a posse de Lula e a decepção com o mensalão. No dia em que o marqueteiro Duda Mendonça admitiu ter recebido dinheiro de caixa dois, foi às lágrimas no plenário. Saiu do partido e ajudou a fundar o PSOL.
“A esquerda ganhou pecha de corrupta, ficou identificada com a podridão do sistema. É uma tragédia, mas caímos na vala comum”, reconhece.
Na contramão dos petistas, Chico defende uma autocrítica rigorosa para sair do buraco. “Não dá para esconder a enorme derrota histórica que nós sofremos. A extrema direita conseguiu canalizar a indignação da sociedade”.
Ele também diz que o PSOL precisa repensar a ênfase em pautas identitárias e temas que assustam o eleitor não engajado. “Outro dia, eu estava numa passeata e a turma começou a cantar: ‘Eu quero o fim da Polícia Militar’. Aí um PM veio falar comigo: ‘Seu Chico, vocês querem que a gente fique desempregado?’. Às vezes o slogan reduz o alcance do que se propõe”, observa.
O deputado se surpreendeu com a vitória de Jair Bolsonaro, que considera “raso e despreparado”. “Há três anos, eu diria que era mais fácil o Tiririca se eleger presidente”, admite. Ele prevê tempos difíceis e teme uma escalada autoritária. “A esquerda perdeu a disputa de ideias na sociedade. Mas nada é definitivo, a história dá muitas voltas”, lembra.
Aos 69 anos, Chico planeja fazer doutorado e voltar a dar aulas na UFRJ. “Preciso trabalhar para sobreviver. Deputado não é profissão”, afirma o historiador, que não aderiu ao generoso plano de previdência parlamentar. Ele diz que não quer mais se candidatar a cargos públicos. “Tinha seis ternos, já doei três. Espero não ter que usar os outros, prefiro andar de bermuda”, brinca. “Mas não pretendo me aposentar para jogar sueca na praça!”.