Quem for buscar no Datafolha deste domingo pistas sobre o resultado da eleição de outubro desperdiçará um naco do domingo. O quadro é de franca indefinição. Utilizará melhor o seu tempo quem conseguir enxergar a fatalidade que se esconde atrás das estatísticas. A pesquisa expõe uma democracia escorregando da beirada para dentro do precipício. E o pior está por vir. Com o sistema político no buraco, um pedaço expressivo do eleitorado age como se desejasse jogar terra em cima.
O Brasil continua na constrangedora situação de ter o líder na pesquisa fazendo campanha para um cargo que a Lei da Ficha Limpa o impede de disputar. O PT sabe que a foto de Lula, preso há dois meses como um corrupto de segunda instância, será retirada da urna pela Justiça Eleitoral. Mas acaba de confirmar sua pré-candidatura. E o Datafolha informa que 30% do eleitorado ainda se dispõem a votar num ficha-suja. Espanto!
Excluindo-se Lula do jogo, a taxa de eleitores sem candidato (voto em branco, nulo, nenhum ou não sabe) sobe de 21% para 33%. Ou seja: mais de um terço do eleitorado acompanha o lero-lero dos demais candidatos e não consegue enxergar nada além de pus no fim do túnel. Pasmo!
A disputa pelo governo-tampão do Tocantins demonstra que há males que vêm para pior. O resultado dessa mistura de zanga com desalento pode ser o desastre. O eleitor tocantinense foi chamado a votar depois da cassação dos mandatos do governador Marcelo Miranda e de sua vice Cláudia Lélis. Somando-se a legião que se absteve de comparecer às urnas com a multidão que anulou o voto ou votou em branco, chegou-se quase à metade do eleitorado (49,33%) do Estado.
Ao lavar as mãos, o eleitor favoreceu a oligarquia partidária que faz sumir o sabonete. Foram para o segundo turno o atual governador interino, Mauro Carlesse, e o senador Vicentinho Alves. O primeiro é filiado ao PHS, partido que acompanhou Eduardo Cunha até a porta da cadeia. O segundo pertence aos quadros do PR, legenda controlada como um cartório pelo ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto. Idealizador da Lei da ficha Limpa, o juiz aposentado Márlon Reis amargou um constrangedor quinto lugar.
No plano nacional, informa o Datafolha, o número 2 ainda é Jair Bolsonaro. Nos cenários sem Lula, ele assume a liderança, com 19% das intenções de voto. Estupefação!
Bolsonaro pode ser definido como uma novidade com cheiro de naftalina. Parlamentar de cinco mandatos, o ex-capitão do Exército é pós-graduado nas mumunhas da política. Como jamais teve acesso à chave do cofre, vangloria-se de não frequentar os inquéritos por corrupção. Mas foi filiado, entre 2005 e 2016, ao PP, que está no topo do ranking de envolvidos na Lava Jato. Cobiça o apoio do PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto. E responde como réu a duas ações no Supremo por apologia ao crime e injúria.
Uma dessas ações refere-se ao caso em que Bolsonaro declarou, da tribuna da Câmara, que não estupraria a colega petista Maria do Rosário por falta de merecimento. Alegou que a deputada é muito feia. Quando fica fora de si, Bolsonaro costuma exibir o que tem por dentro. Num hipotético governo comandado por ele, policiais teriam licença para matar, todo brasileiro portaria uma arma, terras indígenas seriam ficção jurídica, e patrícios homos e trans viveriam num inferno.
Acotovelam-se no pelotão inferior Marina ‘isolada’ Silva (15%), Ciro ‘voluntarista’ Gomes (entre 10% e 12%) e Geraldo ‘Odebrecht’ Alckmin (7%). É muita alternativa para pouca empolgação. O eleitorado parece vislumbrar uma obviedade: seja quem for o próximo inquilino do Planalto, sua margem de manobra será muito estreita, pois os partidos se equiparam para reeleger um Congresso majoritamente composto pelo rebotalho.
A Lava Jato iluminou o lado obscuro do sistema político. Entretanto, excetuando-se os apologistas da intervenção militar, todos sabem que não há solução fora da política. E o que fazem os partidos políticos? Esforçam-se para provar que a prioridade da política é impedir o país de fazer política. Para governar, o presidente terá de aderir à realpolitik, eufemismo chique para aliança com corruptos. E o sistema continuará rodando como parafuso espanado.
Se a nova pesquisa do Datafolha sinaliza alguma coisa é o seguinte: o futuro era muito melhor antigamente. Stefan Zweig, autor austríaco mundialmente conhecido, publicou em 1941 o livro “Brasil, País do Futuro.” Nele, anotou que o Brasil “quase não deveria ser qualificado de um país, mas antes de um continente, um mundo com espaço para para 300, 400 milhões de habitantes, e uma riqueza imensa sob este solo opulento e intacto, da qual apenas a milésima parte foi aproveitada.”
Zweig não está mais entre nós. Suicidou-se. Com os olhos voltados para o futuro, não suportou o presente. A população do ”continente” brasileiro ainda não roçou os 400 milhões de habitantes vaticinados por ele. Mas já somos 208 milhões, dos quais mais de 146 milhões dispõem de título eleitoral. A riqueza imensa de que falava o escritor fez do Brasil o país do faturo.
Agora, submetido a uma tempestade de lama, restaria abrir o guarda-chuva. Mas a inconsciência do eleitor e a inconsequência dos candidatos indicam que o voto pode se tornar um apetrecho inútil como um guarda-chuva sem o pano que o recobre. Um país não afunda por cair no precipício. Afunda-se por permanecer lá. E não há nas dobras da pesquisa do Datafolha nenhum sinal de que o Brasil encontrou uma escada.